Nada foi fácil na sua vida. Aliás, nada é fácil na vida de ninguém, embora eu, menino, sempre tenha imaginado que fosse. Você nunca poupou esforços para me facilitar o caminho. Nem por isso eu suporto a imagem da sua finitude (Milan, 2016, adaptado).

Completa-se uma semana da sua partida! Uma semana que não mais vejo seu sorriso, sua força de vontade e suas palavras de carinho. Há uma semana não tenho mais a presença de mãe transpassando pela casa; abrindo a porta do meu quarto e me observando estudar; me aconselhando com as dificuldades da vida. Procuro nas fotografias te reanimar, trazer para perto e, talvez, voltar a sentir teu calor. Sem sucesso.

Por vezes, durante todo esse processo doído e sofrido, desejei que alguém me beliscasse e me tirasse desse sonho terrível. Era impossível, afinal, aquele enredo fazia parte da realidade, era concreto e material.

Meu coração era carregado de dores e amores. Uma experiência ambivalente de pesar e gratidão. Contudo, a tristeza cedeu espaço às boas memórias: Uma esposa incrível, uma mãe dedicada, uma filha preocupada, uma irmã querida. Enfim, fostes uma mulher que, apesar da brevidade terrena, soube compreender o que a vida desejava de você. Como concluo isso? Percebendo as marcas que deixastes em nossos corações. Já ouvi que “um dia seremos julgados pela coragem em nossos corações”, e, se assim for, como ninguém a senhora soube enfrentar seus medos e arriscou nas incertezas da realidade.

Foi numa dessas incertezas que fui concebido. Seu maior sonho tornava-se vivo, pesava 2,5kg e chorava incessantemente. Aquela não fora uma gravidez simples, mas repleta de preocupações. Seu sonho então crescera, e corria por entre os corredores dessa comunidade. E, aos poucos, tomei espaço por aqui, e podia ver naqueles seus olhos já perdidos ao fim da vida, que era feliz pelo que me tornei. E, se me tornei alguém decente, de caráter, sensível e companheiro foi porque você foi minha matriz.

Tentei tantas vezes compreender o significado de mãe. E suponho que ele não esteja nos dicionários. Talvez eu tenha entendido o que significa mãe em um episódio da nossa vida: Como de costume eu nunca fui o maior apaixonado nas ciências exatas, e cada conteúdo novo de matemática me torturava. Foi então que, em casa, sentamos juntos para estudar. E você, minha maior heroína, também não pudera resolver aqueles exercícios tolos. Ambos choramos. Pobre mamãe, não compreendíamos que fostes capazes de me ensinar coisas mais valiosas que operações numéricas – me ensinou a amar.

Aquela mulher que me acompanhava nos primeiros dias de aula; que me incentivava nos caminhos da igreja e preocupava-se com meus estudos já não era a mesma ao fim da vida. Aqueles fenômenos e processos psicológicos que eu tanto me dedico nos estudos acadêmicos haviam sido desfeitos. Sua memória pouco recuperava das bonitas histórias; sua sensação tornara-se incapaz de me sentir ao seu lado, e a percepção não mais sintetizava os estímulos externos. Este já não era mais o seu mundo, ainda que insistíssemos para que fosse.

Existe uma mensagem (Jácomo, 2006, adaptado) que diz que algumas almas são perfumadas, que os sentimentos também têm cheiro e tocam todas as coisas com dedos de energia. Mamãe era exatamente alguém assim. Foi capaz de perfumar diversas vidas com sua luz e cores. A minha, foi sem dúvidas uma delas. E o perfume era tão gostoso, tão suave e tão delicado, que ela mudou de frasco, mas ele continua vivo no coração de tudo o que ela amou. E tudo o que eu amar vai encontrar, de alguma forma, os vestígios desse perfume de Deus, que, numa temporada, se vestiu de Antonia, para me falar de amor.

Para mamãe, com carinho, Marcos.